Facebook, MySpace, Orkut e Twitter. "Só é o que se vê". Entrevista especial com Paula Sibilia

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18 Abril 2009

Redes sociais como Facebook, Twitter e MySpace são, na opinião da professora do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Paula Sibilia, “compatíveis com as habilidades que o mundo contemporâneo solicita de todos nós com crescente insistência”. Segundo ela, essas ferramentas servem para dois propósitos fundamentais. “Em primeiro lugar, elas ajudam a construir o próprio ‘eu’, ou seja, servem para que cada usuário se auto-construa na visibilidade das telas. Além disso, são instrumentos úteis para que cada um possa se relacionar com os outros, usando os mesmos recursos audiovisuais e interativos”, explica.

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Paula Sibilia reflete sobre as mudanças de comportamento da sociedade contemporânea e afirma que “mudaram as premissas a partir das quais edificamos o eu”. Na atual sociedade do espetáculo, continua, “se quisermos ‘ser alguém’, temos que exibir permanentemente aquilo que supostamente somos”. E dispara: “Esses são os valores que têm se desenvolvido intensamente nos últimos tempos, uma época na qual, por diversos motivos, se enfraqueceram as nossas crenças em tudo aquilo que não se vê, em tudo aquilo que permanece oculto.”

Paula Sibilia é graduada em Ciências da Comunicação, pela Universidade de Buenos Aires (UBA), mestre na mesma área, pela Universidade Federal Fluminense (UFF), e doutora em Saúde Coletiva, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente, é professora no Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Entre suas obras, citamos O homem pós-orgânico: corpo, subjetividade e tecnologias digitais (Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002) e O show do eu (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008). Em 2008, ela participou do Simpósio Internacional Uma sociedade pós-humana? possibilidades e limites das nanotecnologias, realizado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que redes sociais como Facebook, Orkut, Twitter e MySpace revelam sobre a sociedade contemporânea?

Paula Sibilia - Estas novas ferramentas, que apareceram nos últimos anos e de repente se tornaram tão populares, servem para dois propósitos fundamentais. Em primeiro lugar, elas ajudam a construir o próprio “eu”, ou seja, servem para que cada usuário se autoconstrua na visibilidade das telas. Além disso, são instrumentos úteis para que cada um possa se relacionar com os outros, usando os mesmos recursos audiovisuais e interativos.

Por isso, tanto as redes sociais como Orkut, Facebook, Twitter ou MySpace como os blogs, fotologs, YouTube e outros canais desse tipo que hoje proliferam na internet são perfeitamente compatíveis com as habilidades que o mundo contemporâneo solicita de todos nós com crescente insistência. E uma dessas capacidades que tanto se estimula que desenvolvamos é, precisamente, a de “espetacularizar” a nossa personalidade. O que significa isso? Tornarmos-nos visíveis, fazer do próprio “eu” um show.

Este fenômeno responde a uma série de transformações que têm ocorrido nas últimas décadas, que envolvem um conjunto extremamente complexo de fatores econômicos, políticos e socioculturais, e que converteram o mundo em um cenário onde todos devemos nos mostrar. Se quisermos “ser alguém”, precisamos exibir permanentemente aquilo que supostamente somos. Nos últimos anos, portanto, têm cristalizado uma série de transformações profundas nas crenças e valores em que nossos modos de vida se baseiam, e a “espetacularização do eu” faz parte dessa trama.

IHU On-Line – Que novos modelos de relações se configuram através das redes sociais? A senhora acredita que as relações ganham um novo sentido?

Paula Sibilia - Uma das manifestações dessa mutação que tem ocorrido na sociedade contemporânea é a derrubada das fronteiras que costumavam separar o âmbito privado e o espaço público, e que constituíam um ingrediente fundamental do modo de vida moderno. Então, junto com essas mudanças que se consumaram nos últimos anos, também se reconfigurou a maneira com que nos construímos como sujeitos.

Mudaram as premissas a partir das quais edificamos o eu, e isso aconteceu porque também se transformaram as nossas ambições e os nossos horizontes. Portanto, não se modificaram apenas as formas de nos relacionarmos conosco, com o próprio “eu”, mas também as relações com os outros. E ferramentas como o Facebook ou o Orkut caíram como luvas nesse novo universo: são extremamente úteis para consumar essas novas metas.

Porque na atual “sociedade do espetáculo” só é o que se vê. Portanto, se algo (ou alguém) não se expõe nas telas globais, se não está à vista de todos — sob os flashes dos paparazzis ou, pelo menos, sob a lente de uma modesta webcam caseira —, então nada garante que realmente exista. Esses são os valores que têm se desenvolvido intensamente nos últimos tempos, uma época na qual, por diversos motivos, se enfraqueceram as nossas crenças em tudo aquilo que não se vê, em tudo aquilo que permanece oculto. “A beleza interior” seria um exemplo. Enquanto isso, de forma paralela e complementar, exacerbaram-se as nossas crenças no valor das imagens, na importância da visibilidade e da celebridade como fins em si mesmos, como metas auto-justificáveis, às quais supõe-se que todos deveríamos aspirar.

IHU On-Line – A partir dessas redes sociais, como a senhora descreve o nosso atual modelo de vida?

Paula Sibilia - Há uma necessidade de se mostrar constantemente, que se exacerba por toda parte, embora não tenhamos nada muito importante para mostrar ou para dizer. Os canais interativos da Web 2.0 permitem fazer isso a vontade, facilmente e com baixos custos, de um modo ainda mais eficaz do que os meios de comunicação tradicionais. Porque essas novas ferramentas “democratizam” o acesso à fama e a visibilidade.

Mas o Orkut e o Facebook não surgiram do nada. Ao contrário, as redes sociais apareceram num terreno que já estava muito bem sedimentado para que essas práticas pudessem florescer. Nos últimos anos, temos aprendido a estar conectados o tempo todo. Utilizando as mais diversas ferramentas tecnológicas (celulares, e-mail, GPS etc.), aprendemos a estar sempre disponíveis e potencialmente em contato. Acredito que tudo isso esteja dando conta de um forte desejo de estar à vista dos outros, de sermos observados, mesmo que seja apenas para confirmar que estamos vivos. Para constatarmos que somos “alguém”, que existimos. Sem dúvida, entre várias outras coisas, há muita solidão e vazio por trás de tudo isto.

IHU On-Line – O conceito de intimidade conhecido até então é alterado a partir de programas como Facebook, Twitter, Orkut?

Paula Sibilia - Neste momento, quando tantas imagens e relatos supostamente “íntimos” estão publicamente disponíveis, é evidente que a intimidade tem deixado de ser o que era. Nos velhos tempos modernos, aqueles que brilharam ao longo do século XIX e durante boa parte do XX, cada um devia resguardar sua própria privacidade de qualquer intromissão alheia. Isso não se conseguia somente graças às grossas paredes e às portas fechadas do lar, mas também mediante todos os rigores e pudores da antiga moral burguesa.

Agora, porém, a intimidade tem se convertido em um cenário no qual todos devemos montar o espetáculo daquilo que somos. E esse show do eu precisa ser visível, porque se esses pequenos espetáculos intimistas se mantivessem dentro dos limites da velha privacidade — aquela que era oculta e secreta por definição — ninguém poderia vê-los e, então, correriam o risco de não existirem.

É por isso que hoje se torna tão imperiosa essa necessidade de fazer público algo que, não muito tempo atrás e por definição, supunha-se que devia permanecer protegido no silêncio do privado. Porque mudaram os modos de se construir o “eu” e mudaram também os alicerces sobre os quais se sustenta esse complexo edifício.

Por isso, se as práticas que eram habituais naqueles tempos (como o diário íntimo e a correspondência epistolar) procuravam mergulhar no mais obscuro de si mesmo para ter acesso às próprias verdades, nestes costumes novos a meta é outra e bem diferente. No Orkut ou no Facebook, é evidente que o que se persegue é a visibilidade e, em certo sentido, também a celebridade. Ambas como fines autojustificados e como metas finais, não como um meio para conseguir alguma outra coisa e nem como uma consequência de algo maior.

IHU On-Line – Que futuro a senhora vislumbra a partir dessas redes sociais na internet? A sociedade tende a mudar ainda mais seus hábitos e comportamentos?

Paula Sibilia - Sobre o futuro, feliz ou infelizmente, é pouco o que posso dizer. Mas acredito que já seja possível fazer algumas avaliações sobre as implicações destas novidades.

Por um lado, estamos perdendo a possibilidade de nos refugiarmos em toda aquela bagagem da própria interioridade, que oferecia uma espécie de âncora ou um porto seguro para cada sujeito, que acolchoava seu “eu” contra as inclemências do mundo exterior e contra o inferno representado pelos outros.

Por outro lado, também é claro que ganhamos algumas coisas: uma libertação daquela prisão “interior”, ao se esfacelar essa condenação a ser “você mesmo”, aquela obrigação de permanecer fiel à interioridade oculta, densa e muitas vezes terrível que amordaçava os sujeitos modernos.

Outro problema que surge com estas novidades, no entanto, é que os tentáculos do mercado se desenvolveram de um modo que teria sido impensável algumas décadas atrás, e que hoje chegam a tocar todos os âmbitos. Agora, nos inícios do século XXI, tanto as personalidades como os corpos podem se converter em mercadorias que se compram, se alugam, se vendem e depois se jogam no lixo.

Numa sociedade tão espetacularizada como a nossa, a imagem que projeta o “eu” é o capital mais valioso que cada sujeito possui. Mas é preciso ter a habilidade necessária para administrar esse tesouro, como se fosse uma marca capaz de se destacar no competitivo mercado atual das aparências. Hoje, o espírito empresarial contamina todas as instituições e se impregna em todos os âmbitos, inclusive nos mais “íntimos” e recônditos, e o mercado oferece soluções para qualquer necessidade ou desejo. Além disso, sempre será possível (e inclusive desejável) mudar de “perfil”, atualizando as informações pessoais ou alterando suas definições para melhorar a cotação do que se é. Seja no mesmo Orkut ou Facebook, ou então migrando para um novo sistema apresentado como bem melhor do que o anterior, mais atual e dinâmico, daqueles cujo surgimento e cujo sucesso potencial não cessam de ser anunciados.

 

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